Aos meus pais, avós e amigos.
A toda vida...
A toda a natureza..


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Se me perder

Se me perder...


Olha para mim
Olhem bem para mim
Aqui onde estou, já ninguém me vê...
Já ninguém sabe quem sou...
Já ninguém me ouve...
Porque já ninguém me escuta...


Já ninguém me sente o pulso... ou o fôlego... ou o vento da alma... ou o que de mim sobrou...
Porque o que de mim sobrou...
Foi aquilo que sobra do mundo mortal
Aquilo que sobra do confronto entre a vida e a morte
Entre a dor e o prazer..


O que de mim sobrou...
Não foi o corpo...
Nem a roupa...
Nem as artes...


O que de mim sobrou...
Foi o sonho...
Foi a essência...
Foste tu...
Foi ele
Foi ela...
Foram eles...
Foram os instantes de perfeição...
Foi tudo o que de tudo foi bom... singular... único... relevante
No fundo... foi tudo... bom...
Agora estou bem...
Antes já estava bem...
Antes de me perder...


Olha para mim
Olhem bem para mim
Aqui onde cheguei
É um novo mundo...
Uma dimensão invisível...
O sobreestrato da essência rara da natureza...
Repleto de paz... de vazio e silêncio.... mas onde me é permitido observar o nosso recanto... o mundo lá em baixo... mas aqui mesmo... tão perto quanto o estalar de um dedo...
Tão longe... quanto a distância toda do universo...


Olho-o...
Olho-te...
Olho-vos...
E peço-vos...
Deixo-vos hoje este pedido...
Singular nas vertentes a norte do poente...


Não chorem...
Não corram perdidos como uma fúria à solta
Como se o mundo desabasse em vós...
Como uma fúria interna, agrilhoada... presa...
À espera de ser expressa, expulsa, esvaziada da sua força...
À espera de paz... e ternura...!
À espera do ressurgimento...
Ou do regresso... atrás no tempo...!


Vá lá... amigos...
Não chorem...
Sei que estou perdido onde os homens e mulheres e vidas se perdem
Ali no limiar da ausência... onde se permutam instantes de vida, na troca pela felicidade... na troca pela sobrevivência...


Sei...
Que essa chuva que cai... ou esse sol que vos aquece... nunca mais eu... os poderei sentir...
E que o frio e o calor...
São agora apenas resíduos de memórias de uma vida passada.... Mas que continua aqui...
Que persiste aqui...

As nuvens deixadas no céu da terra...
Os pássaros esvoaçantes num panorama de filme...
Fitando os homens, procurando-me...
Os animais que me amam e que eu amo...
As flores... as árvores... a água... a terra... a madeira.... as nuvens... o silêncio... o ruído...
As árvores e o cheiro de flores...
O dia... e a noite...
A madrugada e a manhã...
Tudo... e nada...
As cores do teu arco-íris... na simbiose com a chuva que cai...
E a música... e o vento... e tu... meu irmão...
Inventa a tua própria felicidade...
Cria... num acto de genuína verdade... a tua paz interior...!


Sei que agora...
Cada momento será diferente...
É já diferente...
Agora que me perdi...
Assim...

Mas...

Os dias continuarão a suceder às noites...
E aí... então todos vós...
Poderão sentir quando adormeci...
A chuva continuará o seu ciclo no percurso para a terra e novamente para o céu...
Nela poderão entender a minha dor...
O vento continuará a soprar... e a soprar... sucessivamente...
Nele poderão ouvir-me falar... cantar... sorrir e sonhar...
O sol continuará a brilhar e as estrelas e a lua a iluminarem o céu nocturno...
Tudo permanecerá enfim... igual... no seu rumo próprio...
Quando... me perder...
Se me perder...!


Por tudo isso... amigo... amiga..
Não chorem por mim
Eu fiz aquilo que poucos homens puderam fazer
Fui filho
Fui poeta
Fui sonhador
Fui músico
Fui homem
Fui também mulher
Fui amante
Fui amado
Fui criança
Fui adulto
Fui velho cansado
E sempre...
Sempre...
Procurei o esplendor do expoente da liberdade...
Porque cada vez...
A cada dia que cessava...
Fui conseguindo tornar-me mais livre...
Mais eu...
Mais eterno...


Se... de facto...
Eu me tiver perdido...
Não vale a pena chorar
Porque apesar de perdido...
Permaneço aqui...
Invisível aos olhos
Inaudível aos ouvidos
Insensível à pele
Inalcançável pelo sabor ou pelo odor... ou pelo tacto...
Mas... profundamente alcançável pela memória...
E pela felicidade... pela alegria...
Porque esse sou eu...
Esse fui eu.. vivo...
O amante da vida... que amou o mundo inteiro...
Que tantas vezes sofreu com a angústia de ver o seu mundo em guerra, em dor, em humilhação constante... pela injustiça do Homem para com a natureza.... e para consigo próprio....
O lutador... pelos valores de um ideal...
Aquele... que sem asas... nem ouro... nem fama... nem prodígio...
Conseguiu abrir os sonhos e lançar-se no céu a voar...
Como uma gaivota de maré...


Se, de facto, eu me tiver perdido
Ou talvez... por outras palavras... tiver partido...
Não chorem a minha ausência....
Porque para sempre vos acompanharei a todos...
Marcando encontro regular
No mundo dos sonhos...


Aí...
Durante a noite...
Eu surgirei nos vossos sonhos...
E estarei convosco...
Estarei comigo...
Em longas discussões sobre os teoremas da vida...
E da morte...

Aí... mostrar-vos-ei...
Quem fui..
Quem sou...
Nas longas noites...
Dessas que passam... num relâmpago de existência...!

Aos que me amaram e amam...
Continuem a sonhar sempre... sempre...
Porque a eternidade é muito mais perfeita do que tudo o que imaginámos...

Aos que nunca conheci... ou àqueles que alguma vez...
Por algum motivo... me odiaram ou repudiaram...
A eles... agradeço...

Agradeço... porque foi também com eles que cresci... enquanto pessoa... e filósofo do sonho... filósofo da vida...
Na pseudo corrente... de contrariar a filosofia....!

Para esses...
Desejo que sejam capazes de entender o instante cadente e de amar a vida... intensamente...
Que sejam capazes de se apaixonarem...
De lutarem pela felicidade... sem aniquilarem a felicidade alheia...!
Sejam felizes... para sempre..!
Na verdadeira e genuína acepção de felicidade...
Amando sem temer... mesmo na impossibilidade do amor...
Amem apenas... e lutem por esse amor...
A melhor forma de lutar...
É lutar não lutando... só assim... o amor é genuíno...
Perante o amor impossível...!
Acreditando sempre...
Sempre...


Porque... se deixarem de acrediar...
Acabarão por se perder... dentro da sombra da ausência... que precipita dos rios de dor
Que inundam a alma humana...
Como dragões de fogo...
Com as suas línguas ardentes...
Queimando tudo...


Se deixarem de acreditar...
Perdem-se...

É tão simples.. quanto isso...
Todas as leis universais...
Condensadas... no acto de acreditar...!

Até sempre...
E obrigado
Pela poesia
Pela música
Pelos livros
E por toda a magia que a terra me permitiu...
E que tu... musa intemporal...
Me ofertou... com tamanha alegria... e encanto...
Na contemplação da tua delicadeza... elixírica...!
De ti...! Para sempre...

Até sempre...

Se me perder...

Pedro Campos – Se me perder... Algures no tempo

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