Aos meus pais, avós e amigos.
A toda vida...
A toda a natureza..


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Vislumbre...


Disseste-me, há décadas atrás
Que a folha vazia sob a mesa
Era o teu pesadelo
E eu ri-me... pensando-te louco...

Dizias, nesse tempo
Que a liberdade que procuravas, fervorosamente livre, excelsa e simples
Era talvez, a epifania suprema...
Com que sonhavas poderes ser mais do que tu mesmo...
Alcançando o protótipo quimérico de um amor reinventado
Ou de algo que, naquele momento, não entendi muito bem...

Lembro-me de te ouvir falar sobre o silêncio
E sobre a dor indefinível que te inundava o sangue
E sobre o assobio agudo ao ouvido pronunciando-te palavras indizíveis de desilusão...
Por descobrires mais tarde
Que o castelo que construías
Tinha fundações frágeis feitas de ilusão e utopia...

Ouvi-te, atento, falares com nostalgia
Dos sonhos que tinhas por cumprir
De todos os livros que tinhas para escrever
E das palavras, todas elas, cheias e repletas, essas palavras que te nasciam nos dedos
Como água nas fontes...
E que te deixavam num estado de euforia breve...
Nesse espasmo de notícia
Que afinal nunca aconteceu...!

E dos mundos que construíste dentro da imaginação
Mundos inteiros, complexos de devaneios
Esboços solenes dos paradigmas da tua incompreensão

E eu, ignorante, julguei-te taciturno e rabugento,
Enquanto falavas da tristeza que sentias 
Ao veres as folhas dos plátanos ao vento...
 
Hoje, aqui, está todo um universo de ideias à minha espera
E eu, vazio, sustendo a respiração... fico calado e inquieto...
No limiar da loucura que ontem te pertenceu...

E em frente à folha em branco
Conto as horas a passar
E fito como um cobarde
De longe, a solidão que me agita...!

Como um espasmo ansioso e incompreensível
Abraço a noite no negativo de uma fotografia
O tempo, sempre o tempo...
Devorando sonhos, projectos e encurtando a fé
Que ainda sobra no encalço da vida

E há sempre um amanhã...
Há sempre a esperança.... de um amanhã...
E há o desejo dos abraços quentes, a fome dos doces de fantasia,
A sede de um sorriso confidente no final de um dia
E a sublimação de algo que não sei...

Mas não... já não há a utopia
Nem há a cor indelével da tua boca na minha
Nem o salto no abismo
Nem o medo do salto
Nem a ignorância de não entender aquilo de que te falo...

Porque, há décadas atrás
Era eu que te contava
Sobre o sobressalto que me atirava
Para o nulo de ser nada...

Ontem, louco, eu disse-te
Que a folha vazia sob a mesa
Era o meu pesadelo
Mas tu já sabias... do vislumbre...
Tu eras eu.


Pedro Barão de Campos

Labirinto




Longe...
Quero estar longe.
Há tantas palavras que fogem dos meus dedos
E pensamentos que negam quem sou...

Longe...
Queria apenas estar longe.

Não de algo em particular
De uma pessoa ou de um lugar
Mas longe de mim..
Longe do pensamento...
Longe... de pensar..!

É que pensar faz doer
Quando a lembrança e pergunta
Se unem numa só resposta
Há tanta coisa que dói sentir..!

Dói, sentir a dor vaga
Da memória que respira aqui
Exaltam-se os braços
Esticam-se os cabelos no chão
Há lábios que se amarram
Na antecâmara da negação!

Quando a loucura já é em vão
Displicente a lanterna
Que percorre a noite vadia
Sou apenas a sombra de um sonho
Que ontem parecia ser verdade, magia

Perto...!
Estive sempre tão perto de todos os lugares...
Perto de um beijo...
Perto de uma estátua para a imortalidade...
Perto de um copo vazio... ou cheio... tanto faz...!

Perto...
Tão perto de estar longe...
Porque é assim...
Nos corredores de um labirinto
Não há trilho ou astrolábio que nos sirva
Para encontrar o caminho de regresso a casa...

Perto...
Quero estar perto.
Há tantos momentos que se reunem entre os meus dedos
E imagens que concretizam quem sou...

Perto...
Queria apenas estar perto...

Perto...
Dos lençóis onde adormeço...!
Perto... num sono tranquilo... de criança a sonhar...
Com a próxima tarde de brincadeira
Jogando às escondidas... um remate poderoso...
No ar... um avião de papel cruza a rota de uma andorinha...
E no imaginário infinitesimal de um horizonte colorido...
Há sempre esse pião a rolar...
Na arca suspensa do peito..
Com tendência para parar.

E ao mesmo tempo...
Há sempre o olhar brilhante... ausente e vibrante..
Reflectindo ao longe...
O perfil enganador das palavras que crescem aqui...
Perto do fim.

É que há sempre um fim.
Seja perto... ou longe... do labirinto.

Inevitável...


Noite
Acordas comigo?
Aconteça o que acontecer...?

Já deixei as estrelas que olhei
E o estômago vazio
No tempo de um suspiro

Então parti para lá do monte
Escondi os medos dentro de um pote de cerâmica
E afastei-me da ideia de que o tempo me irá apanhar
Aconteça o que acontecer...

É impossível manter em mim a imortalidade
E esta juventude já não depende da atitude
É apenas uma casca bonita para um estar que irá cair
É inevitável...
Aconteça o que acontecer...


Pedro Campos.



Sombra oculta



Olhos atentos que olham para mim
Sou o centro do vazio que brota aqui
Já não durmo com sombras nem cores multifacetadas
Sou mero simbolismo de um relento circunscrito a um limiar de ontens
Dissipando a fúria em segundos de loucura
E deixando de ser, pouco a pouco, o sonho...

Apago... o espírito e a fé em algo mais...
E desfaço-me num núcleo de nadas...!

Amanhã serei o regresso
A algo que já não saberei descrever
Quando no ponto mais alto da montanha
Sentir vontade de voltar a ter a confiança
De ti em mim
De voltar a ser pessoa... igual a todas as outras pessoas
E a sentir...
Que não estou sozinho...

Mas na avenida, longe, depois de espreitares à janela
Lá fico eu novamente... imóvel... de olhos fechados... invisível...
E então perceberás... que já morri...
Sou apenas uma sombra oculta
Ignorando o seu destino.

Hipernova


Vem...!
Vem que o tempo dir-te-á o que és...
.
Vem..
Descobre o que é o brilho escuro da noite.
Talvez compreendas o que me faz atirar papagaios de papel pela janela do universo

Enquanto dou um trago de vinho do Porto, sucumbindo à amargura das horas

Em que as unhas se desfazem roídas de ponta a ponta

Como uma rocha desgastada pela erosão...

.
São essas mãos assim

Como o precipício

Que me separa da verdadeira imensidão

Que é o sonho profundo e belo

Que sou eu e tu

Em volta de um cavalo a voar

Em direcção ao que restou

De uma hipernova colossal
..

.
Pedro Campos.

Desce

Desce sobre mim

Rompe-me a noite

E nega-me o vento

Que te castiga no silêncio


O que sou eu?

Esta pedra cansada e neutra

E mudada


O que sou eu?

Morri!

Já não sou nada!


Pedro Campos.

Ontem... ainda há...!



Ontem
Olhava o relógio
E via nos ponteiros uma intenção diferente
Uma força de rebeldia
Que puxava pelas cordas do engenho
E expressava em palavras surdas
Os instantes cessantes
Na maré do cais

Ontem
Não acertava o relógio
Todo o tempo tinha o seu tempo certo
E não havia instantes esquecidos
Lúgubres momentos ecoantes no pensamento
Como obcessivos dilemas morais
Flutuando em lagos de lamúrias…
Na superfície da água…

Hoje
Relógios sem energia
Acerto e reacerto constantemente os momentos que passam
Espero revê-los, passados no amanhã
Decerto a fantasia irá chamar por mim
Ao amanhecer

Decerto também a noite será como uma ruína de um castelo de uma história de príncipes e princesas
Decerto… a rua toda perca o sentido de caminho
Porque… decerto o destino já se desfigurou
Em algum areal de uma praia qualquer
Num qualquer dia de húmido nevoeiro
Em qualquer espelho derretido… uma saudade diluída nas lágrimas alheias de uma doutrina espectral inelutável
Em que tu… escutas… calada…
O som do silêncio…

Mas…
Tic… tac… tic… tac… tic… tac….
O relógio afinal continua a tiquetaquear… e o tempo não parou…!
Ainda há esperança para que o fim não seja hoje… agora… já…
Ainda há talvez uma fórmula nova à espera de ser descoberta…
Ainda há…
Ainda há…
Frieza…
Calor…
Ainda há… também… madrugada… e sol e dia… e noite e sal nos pratos feitos de liberdade prisioneira de vãos espaços… unidos na ausência…
E há… solidão a espantar a alma… e tristeza a fechar os olhos e a estigmatizar as mentes…
E medos… há medos que fazem surdos os ouvidos e cegos os olhos… e gestos que mudam tudo…. no momento certo…

Ainda há… saudade…
Ainda há… amor… também…
Esperança… afecto… ternura… feridas abertas…
Facas afiadas e revolveres feitos de letras e palavras… em que as balas são lançadas nas madrugadas em que os sonhos não condizem connosco…

E há loucura….
Ainda há… lucidez…
Lucidez… em cada vez que vejo a minha loucura… a minha febre… o meu… instante…
E batem… bombas…
Espelhos de vidros impossíveis… estalam…
Rotas cruzam-se…
Testemunhas rendem-se à evidência de não terem testemunhado nada…
E mentiras penetram fundo nos lençóis plasmáticos da alma destruída…
E ainda… há… imensidão…
E a cor do asfalto não é mais da mesma cor e os trajectos são feitos de mármore e o chá está aqui… a arrefecer… e a garganta não me deixa falar…
Estou numa noite em que não sou eu…
- Então… meu velho amigo? Como estás?
- Cá estou…! Sou o mesmo nos mesmos tecidos e nas mesmas vitrines de abstração.
E afinal… depois de nesta noite…
Ter havido tanta noite tão cheia de noite…
Cesso-me aqui…
E adormeço concentrando atenções no ritmo do passar dos segundos…
Fecho os olhos exaustos e saio…
Afinal…
Ainda há um ser humano aqui.

Pedro Campos.

Pensamento


Porque pensas?
Porque é que tentas sempre entender o que escreves, o que fazes, o que sentes?

Para quê teorizar  o sonho e a imaginação,
Se tudo o que somos é imediato e real
Tudo o mais é desvanecer a glória do essencial..

Está ali uma árvore de folhas verdes e perfumadas
E é a árvore... só isso... mais nada...
Que me faz sentir feliz...
Para quê atirar areia ao ar...
Para tapar os olhos e mudar
A forma como vemos a forma das coisas
Se são os olhos que vêem e nada mais...
É o próprio olhar que nos diz o que olhar...

Não é o pensar sobre o pensamento de ser árvore
Ou remota hipótese de tudo o que resulta da interpretação confusa que os estudiosos sempre fizeram
Para quê pensar, se basta sentir?
Para quê tentar confundir uma visão real e única
Se só isso é o máximo a que podemos alcançar?

Para quê imaginar o que virá a seguir?
Para quê criar ideias do que farás amanhã?
Para quê interrogar-me assim aqui?
Se nem interrogando sobre o que faço
Me abre as portas de um mundo que ao pensar já desfaço...
E num instante deixo de ser feliz...
Porque abandonei a verdade
Só a verdade... que os sentidos captam... 
No instante genuíno de seres tu
De seres aqui... imediatamente o que és
E não o que serias daqui a um milésimo de segundo
Do pensado o não pensado...
Do futuro... o livro escancarado
Dedos morrendo...  e cabelos caindo...
Sangrando da substância de si...
Desvanecida e dissipada...
Separada do seu momento único...
Aquele instante... irrepetível...
De um beijo
Os lábios humedecidos
A suavidade fresca e a pele molhada...
De uma euforia sem tamanho...!

O que seria de cada um de nós
Sem a brevidade de um momento?

Fechem a cadeado o pensamento!
Que pensar demasiado causa o envelhecimento
E a pouco e pouco um divórcio eterno
Entre o ser e o sentir...
Entre o dentro e o fora...!

Não pensem...!
Apenas sintam...!
A ave colorida a voar no céu azul...
E a planície verdejante e luminosa...
Que bom que é acordar assim...
Viver assim...
No limiar de ousar olhar apenas...
Apenas estar...
Não teorizar...
Respirar fundo...
Sem complicar...!

É talvez o último segundo


Este é talvez o último segundo
De respirar este verso nú
Sem forma, sem cor, sem triunfo
É talvez o último tempo do mundo...

E todos, na multiplicidade de mim...
Manifestam-se em endofasia constante
Batem palmas, assobiam, gritam, rufam
Num ensurdecedor adormecer

Querem entrar...!
Querem sair...!
Querem todos mostrar-se simultaneamente neste fim...
Sobem escadas, descem avenidas...
Com as cortinas rasgadas
Vêem que já não há mais maravilhas! - A esperança terminou.

E no céu agita-se um falcão negro
Negro como o sangue do medo
Frio como a pedra mais cinzenta e dura
Nulo... como o vazio mais perpétuo...!

Daqui a nada serei menos que esse vácuo...!

E amanhã acordarás ignorando
Que ontem foi o dia em que parti.

Dedos no ar...


Dedos no ar
Ponham os dedos no ar!
Quando quiserem pedir ao sol que vos ilumine...
Quando quiserem soltar as ondas do vazio...
Ou escutar a melodia de um olhar...
Façam o favor...
De pôr os dedos no ar...!

Dedilhando versos...
Pedia ao vento que soprasse sobre mim...
E me afastasse o desespero...
Este que o odor a saudade me provoca aqui...

Sou um prédio inteiro
Com varandas abertas para o céu
Tenho caves escondidas
E quartos ocultos
Paredes secretas
Que segredam os medos e os sustos..
E morro quando o bater de uma asa
Sacode o silêncio frio do momento

Dói a cor
Dói o gesto
Sinto falta de nós os dois
E não estou Eu aqui

Onde estou?
Então onde estou?
Alguém me ouve...? Alguém me responde...!?
Ah... já me esquecia de pôr o dedo no ar...
O dedo no ar...
Para Deus me ouvir.. dizer...
Reflectir.. duvidar, perguntar...
Onde está Deus...!?