Aos meus pais, avós e amigos.
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Sala de Pânico

Sala de Pânico - Existe uma, dentro de cada um de nós!


Despi...
O casaco encharcado pela chuva que caía lá fora
Essa chuva dispersa, ausente, tépida, eloquente, irreverente... imensamente doentia...
Essa chuva que se unia
No céu do templo do mundo
Planeando estratégias cruéis para me derrubar...
Aqui...
Na sala de pânico do meu espírito...!
Onde mais ninguém consegue entrar...!

Entrei...
No espaço que me pertencia...
Nessa propriedade que sendo minha, não é de ninguém...

Entrei... temendo a entrada...
Temendo-me a mim mesmo
Como estrangeiro desse lugar... por si só... tamanhamente estranho... tamanhamente só...
Ao sabor do temporal que bordava a noite lá fora...!
Essa noite em que me perdendo... me reencontrei...!

Entrei...
Abracei o vazio assustador dessa noite que me envolvia
Dessa noite que me ia envolvendo...
Abracei esse vazio que me preenchia ali
Naquele instante irreflectível...
Naquela sala insignificante do meu mundo...
Repleta da ausência vítrea do teu olhar...
Cheia da falta que a suas paredes sentem de ti...
Cheia de tudo... completa de nada...!
No rigor do estímulo indiferente da presença nula de mim em ti... e de ti em mim...
Na penumbra estrondosa da imensidão da bruma...
Essa bruma etérea que me anula... e aniquila... ali... nessa sala do espírito... inacessível até ao instante término de uma epifania...!

Entre passos desvinculados com o tempo
E movimentos mais ou menos descompassados com o silêncio
Percorri teimosamente lento e paulatino,
Hesitando na insegurança de olhar mais além, penetrando na cortina de escuridão...
Receando o diluente desconhecido que diluía o sabor da vida... ali tão perto de nós... no final do murmúrio vago e incerto, entre essas cortinas de lavanda seca e ténue e as folhas rasgadas dessa flor que tanto estimavas...
Procurando chegar a ti...
Através da auto-estrada da solidão..!
Procurando chegar a ti...
Agarrava-me a mim... à ausência... ao substrato do calor do teu sorriso...
Aos teus lábios de mulher menina...
Aos teus olhos unívocos...
Ao esboço do futuro...
Nesse diário de gente crescida...
Assaltada pela noite...!

E adormeci...

Adormeci num pranto surdo, timbrado a inocência
Sentindo... respirando... suando... sonhando... absorvendo o destilado inconcreto da essência dessa dor...
A tua partida marcada na ampulheta febril dessa noite...
Em que os rumores e os temores do passado...
Aconteciam... iam acontecendo... irreversívelmente ali...!

Embora tivesses partido... eu continuava a adornar o silêncio escuro do meu mundo... sentado num banco de pedra, no interior da minha sala de pânico particular...
Como quem sente uma miragem no deserto...
Ou um reflexo ilusório no vidro de uma janela...!

Apesar disso...
Apesar de tudo...
Continuava a sentir-te aqui...!
Tu em mim e eu em ti...!
Os teus olhos vibrando ao ritmo do corpo...
Ao som da alma...
Nas ondas revoltas do teu cabelo...
Enleado no perfume irresistível da tua pele...
Como uma folha à mercê do vento...
Como o vento à mercê do mundo...
E um mundo à mercê do universo...!
Eu e tu...à nossa mercê...
E à mercê do tempo...!

Quantas vezes...
Sentado na pedra cinzenta do meu abrigo temporário...
Fiquei hipnoticamente a recordar-te...
Como quem se senta numa cadeira de cinema... assistindo a um filme repetido... vezes sem conta... e ainda assim... maravilhando-me...
Ainda assim contemplava esse filme... como se o visse pela primeira vez...
Contemplava-te... como sempre fizera...!
Como ainda faço...
No reino inesquecível das nossas memórias...!

Quantas vezes...
Julguei ouvir a tua voz... a falar comigo... chamando-me...
E quantas vezes te respondi...
Quantas conversas, monólogos que quis acreditar serem diálogos, travados entre nós... se mostraram não ter sido nada... apenas rasgos loucos de loucura... às vezes lucidez...!
Voltava a mim e percebia...
Não eras tu...
E também já não era eu...
Era outro alguém dentro de nós,
Lembrando-te aqui!

Quantas vezes...
Voltei a desenhar em carvão o teu olhar mágico...
Essa expressão que amei...
Esse tom castanho luminoso... tão doce como mel...
Tão genial quanto a própria existência...
Simplesmente tão único quanto o meu sentimento por ti...
Aqui... nesta sala de pânico...
Onde às vezes entramos sem nos darmos conta disso...!
Aqui... nesta sala de pâncio...
Onde gritamos sem fim... para catalizar tudo o que nós nos magoa... para exteriorizar... tudo o que em nós nos perturba...
Aqui... nesta sala pequena, sem luz e sem cor...
Mas onde nos podemos refugiar... na solidão de nós próprios...!

Nessa sala de pânico...
Que existe dentro de cada um de nós...
Sempre vazia... escura... surda...
Mas aberta e fechada... exclusivamente para nós!
Junto à esquina do passado com o presente
Na travessida da encruzilhada dos pensamentos
Onde os fantasmas se habituaram a visitar...
Como um destino turístico...
Acessível a todas as carteiras...
Nas ruas de pedra
No mais de profundo dos nossos espíritos!

A sala de pânico.

Pedro Campos - Algures no tempo e espaço....

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