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Segunda Carta ao Silêncio...!


Carta ao Silêncio...! (Segunda Carta)


Escrito: Na manhã de um dia nublado, mas enquanto alguns rasgos de sol iam furando a cortina cinzenta... iluminando as paisagens do amanhã... (porque no amanhã... tudo poderá ser melhor... tudo será melhor que hoje...)

Destinatário: Tu e o silêncio...


... Tenho as mãos frias... e os pés frios... e agora a alma quente mais fria...!
Estou aqui... em casa... sentado numa cadeira distante... à espera não sei de quê...! Talvez esteja à espera de mim mesmo... à espera de alguém que ficou perdido.. algures... no universo... das emoções....! Das expressões...! Das sensações...! Dos sentimentos...! Dentro de mim mesmo...

... Tenho a música ligada... como uma banda sonora... que me faz companhia... enquanto escrevo esta carta ao silêncio...! É Chris de Burgh.. com "Borderline", "If you really love her, let her go", "Love is my decision" e "So Beautiful" e pelo meio... por vezes... Mafalda Veiga canta "Lume" e Pedro Barroso... canta.. "Companheira"... entre outros sons que se vão juntando aqui... olhando-me enquanto escrevo... enquanto penso... e sinto... enquanto reflicto... sobre o passado.. sobre o presente... sobre o futuro...

... Estou... algures... aqui... entre o topo de uma montanha nevada e as águas mansas de um ribeiro que se estende num vale... com serenidade... onde saltam peixes... e passeiam veados... mergulham patos... gansos... garças... e mergulhões... estou... somente aqui... algures... em todo o lado... aqui... ali...

... Ali.. entre as teclas de um piano... eloquente... estridente... entusiasmante... e as mãos ternas, indescritíveis da vida...!Essas mãos de Númen... essa pele suave e estruturante... e acolhedora... e... única... e unívoca...! Essas mãos imensuráveis... imemoráveis... mãos de sempre...! Mas... não sei... não sei... não sei... onde estou... somente isso.....
... Não... sei... onde estou...

Onde estou?...

... Estou... talvez... à deriva... perdido algures no meio do oceano... com ondas de dez metros em vaga revoltosa... embatendo com toda a fúria na proa e no casco deste navio... de madeira... e velas... de papel... já encharcadas... com a humidade deste ar... marítimo... deste vento... entranhando-se na textura rugosa da madeira... na textura... do meu barco.... do meu corpo... dos meus sonhos...

... Estou... à deriva... quem sabe... na rota do indistinto... na rota do esquecimento... ali... onde por momentos... as folhas das árvores me aconchegam... e me abrigam... num desabafo prolongado... com a natureza...! E contínuo ali... à deriva... nessa rota sem rota... nesse rumo... sem planificação... nesse viver... sem plano de acção nem ordem de trabalhos ou tarefas a cumprir ou levantamento de objectivos a concretizar...! Contínuo... apenas ali... a viver... a dormir... a acordar... a sorrir... a sonhar... e... calo-me... silencio o meu ruído interior... mas... gosto tanto.. tanto... de ti... tanto.. tanto.... tanto.... que... não chegariam as linhas de infinitas folhas de um diário... encantado... para colocar tudo isto.... tudo aquilo... tudo... e nada... o que quer que seja... o ser que é... que se é... que acontece... que aconteceu... e acontece...! Tão simplesmente... como respirar...

... E.. as palavras falham-me... os pássaros com quem falava... foram de férias para um país distante... com arcas e bagagens... partiram... sei que voltarão... mas ainda falta algum tempo...! ... aqui... perto de mim... as plantas... as flores... o céu... os outros animais... escutam-me... mas não cantam como cantam os pássaros... aquela melodia do pensamento... que enleava os nutrientes do tempo... numa pasta salutar de essências perfeitas... essa pasta agridoce... que me nutre... no crescimento da alma... na aprendizagem da vida... no estar e no ser... quem sou.

... Mas... as palavras falham-me... a poesia... e a prosa... parecem-me insuficientes... são insuficientes... para descrever-te.... e até na música... parece que falta sempre algo mais para conseguir transmitir a tua verdade... a tua essência... e o que sinto... que apenas... no meu olhar... é capaz de ser visto... numa visão parcial desse tesouro... dessa eternidade... dessa luz... dessa delícia.. ambrósia dos Deuses...!

E ... não sei onde estou...

Fecho os olhos...
Fecho os olhos...
... Já não estou... num barco....

... Estou de novo aqui... nesta cadeira fria... com este tempo frio... assim... com estes instantes nebulosos... mas talvez... esteja... parado numa qualquer estação ou apeadeiro... invisíveis... e eu próprio invisível... à espera de um qualquer comboio... também ele invisível... inexistente... que espero... me leve um pouco para lá da fronteira distante do mundo... para lá da fronteira imensa do silêncio.... para lá de mim.... sim... apetece-me sair de mim... e ir por aí.... vagueando... conhecendo os recantos do mundo dos espíritos... flutuando... na brisa ligeira de um oceano respirado...

... Apetece-me... sacudir o pó das asas que nunca tive... destas asas que apenas existem em ti... contigo... por ti...! Só por ti... silêncio... faz-se silêncio...

... Apetece-me... talvez dormir... descansar... fechar os olhos e dar um pulo em direcção ao céu... tentando alcançar a Lua... ou o Sol... ou qualquer outro astro... sorridente..... ali... no universo restrito do pensamento... que tantas vezes... julguei ser infinito... ser intérmino....

... Na verdade... talvez seja... talvez continue a ser... de facto... infinito... intérmino... o universo inteiro.... com estrelas cadentes a surgir a espaços... de tempos em tempos... nesse universo transcendente... que nos abriga... que nos habita... a todos nós... e a ninguém...

... Apetece-me... talvez... chorar um pouco... talvez... abandonar-me... aqui... na ausência de mim mesmo... com os olhos bem fechados... a respiração talvez turbulenta... a alma incerta nestas viagens que na vida se fazem... e os dedos... os dedos... esses dedos sem arte... precipitando a bruma... rasgando-a... para deixar passar a luz da Lua... por entre as brechas da realidade... ou da irrealidade....!

... Apetece-me não fazer nada...
... Apetece-me... pegar em mim e procurar uma paisagem tranquilizante... ir até à praia... ver as ondas do mar... enrolando-me no vento...

... Apetece-me... enquanto oiço o marulhar do mar... enquanto escuto o que me quer dizer... assistir ao vôo das gaivotas... à sua tranquilidade aparente... e questionar-me...

Questionar-me...

Será que por detrás daquela tranquilidade no vôo...
Será... que por detrás da estabilidade aerodinâmica dos seus corpos de penas brancas e cinzentas... será que há uma alma?... Será que as gaivotas... aquelas gaivotas... também amam?
Será que se apaixonam?
Será que choram?
Será que sofrem?
Será que sorriem?
Será que são felizes?
Terão nos seus dicionários e nas suas bibliotecas, as poesias que escrevem... os desabafos que delas se desbotam...?
Saberão.. distinguir os conceitos da sua comunidade...?
Saberão.. também elas... o que é errado e o que é certo...?

... Talvez... saibam... talvez não saibam... como também nunca ninguém saberá ao certo... e com rigor... onde está o certo e o errado... conceitos... que se constroem e simultaneamente se destroem... porque às vezes... o certo pode estar errado... e o errado pode estar certo...

... Às vezes... confundimos o que está bem... com o que está certo... e o que está mal com o que está errado... mas as coisas não são assim...! Que mal há em sentir... em sonhar... em correr... em amar....? Apenas há bem... mas desse bem... podem vir coisas certas e coisas erradas... coisas... impossíveis... possíveis e coisas que resultam da mistura... da simbiose... entre o que é possível e o que é impossível! O certo e o errado... são confusos... mas... quase tudo é tão confuso... não sendo...! Tudo é relativo... e não devemos evitar sonhar... nem amar... senão nunca conseguiremos ser felizes... plenamente... ou parcialmente... não interessa... desde que haja felicidade... que daí derive...

Será que ... essas gaivotas... conhecem o significado da inspiração??
Será... que já ouviram, alguma vez falar dos poemas inspirados nelas... nessas gaivotas livres... ondulantes... que por vezes... são musas de poetas... e pintores... e dançarinos... e músicos... e escultores... e outros tantos artistas...? Outros tantos loucos... lunáticos... extravagantes... por serem lúcidos... uma lúcidez insana... e transcendente... transmutada... transformada...!

Será que elas me ouvem...?
Será que elas... escutam como eu... este silêncio...? E ao mesmo tempo... esta voz...?
Saberão... e sentirão o mesmo que eu...?
Conhecerão... de facto... aquilo que sinto por ti...?

Saberão?...
Questionar-se-ão... também elas sobre o mundo... e sobre as coisas?
Serão filósofas?
Arquitectas?
Terão alguma estrutura social hierarquizada...?
Cargos, funções, profissões?
Qual será a sua moeda?
Ou serão simplesmente... gaivotas... com a sua própria dimensão... incompatível... e incomparável com toda esta reflexão... de especificidade humana...!
Talvez... seja tão simples quanto isso...

E calo-me... cansado... calo-me... calo... a voz do pensamento... sonante que ecoava alta... vibrando na realidade... ali naquela praia... há breves instantes...

E sento-me... uma vez mais... aqui... à espera...

... Estou talvez... à espera que venha o amanhã... à espera que amanhã tudo esteja bem... acreditando... verdadeiramente nisso... como quem acredita na sua religião... nos seus credos... nos seus ideais e princípios..! Como quem tem de acreditar em algo... para poder resistir à toada do inverno...!

Amanhã... eu estarei bem... melhor...

... Mas...

Mas nesta carta ao silêncio e a ti... as palavras estão diferentes.... a tinta está diferente... o papel está diferente... e o sabor salgado das chuvas... está diferente... e é de toda essa diferença que tenho medo... que sinto medo... que receio...

... Sinto... medo...
... Medo.... de... por alguma razão... não poder voltar ao ritual solene de olhar-te... e de contemplar-te...
... Medo... do que não sabes... sabendo... que sei... mas que sabes que sei... e julgo.. que na prática... sabes... mas não sabes...
... Medo... medo de perder... o que de mais importante existe... medo de perder essa perfeição... no segredo do meu silêncio... essa doçura... essa ternura... essa atenção... a que me habituei...

... Sinto...

Sinto... tanta coisa... e sinto... o que sinto...

Volto a mim... depois desta viagem... o mundo continua a rodar... e o tempo a passar... e tenho de seguir... a rota... desconhecida... e independentemente dos balanços e das ondas... e das tempestades... continuarei... a acreditar... e a sonhar... o que quer que seja... e talvez... um dia... talvez daqui... a uns trezentos ou setecentos anos... ou mesmo mil anos... daqui a umas vastas gerações... se ainda houver mundo... voltarei a escrever-te... talvez... outras cartas ao silêncio... e a ti... porque... se há coisas... eternas... o que existe em mim... é uma dessas coisas...

... e paro... imobilizo-me...!

Vou agora... partir para outro local... e por isso... termino aqui... esta carta... escrita... algures na imensidão... de uma estranha manhã... com vontade de dizer... o que nunca disse... dizendo... o que nunca direi...!

Uma carta a ti e ao silêncio... porque o silêncio diz tudo... como as entrelinhas de um poema... e mesmo no silêncio mais calado... podem ser cantadas serenatas... lidos romances universais e recitadas odes poéticas... sem dizer uma única palavra... porque os olhos... sim... os olhos... mostram o que as palavras não podem dizer...

O que as palavras nunca poderão dizer...

Até sempre... nesta segunda carta ao silêncio e a ti... algures... na eternidade...




Serão?

Serão os sentires indizíveis...
Impossíveis de sentir?
Serão as loucuras da alma...
Tão lúcidas quanto sorrir?

Serão os gestos solenes trazidos pelo ar...
Tão impossíveis de acontecer?
Quanto a chuva que pode...
Dar vida a um deserto a morrer?

Talvez quando se vive se deva arriscar sem temer
E sem magoar ninguém
Porque só se vive uma vez... e há coisas pelas quais vale a pena viver!

"E assim... quando sentires uma leve brisa entre os lábios
Não te assustes...
Porque é a minha saudade que te beija em silêncio...!"



in Segunda Carta ao Silêncio
Pedro Campos

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